Percepção da fertilidade: Parte 3 – O ciclo menstrual

Ciclo menstrual

Este post é a parte 3 da série Percepção da Fertilidade; se você não viu ainda, aqui está a parte 1, que explica o que é a percepção da fertilidade (e porque ela é MUITO interessante)!

Também recomendo ver toda a série “Lá embaixo”, que descreve o sistema sexual e reprodutor feminino. Fica a dica!

Neste post vamos ver o ciclo menstrual em detalhes. Entre muitas outras coisas interessantes, vamos ver que o ciclo não precisa ter 28 dias pra ser regular, que a ovulação não necessariamente acontece no dia 14 do ciclo, e que é possível prever — e acertar — a data da próxima menstruação. 😉

Alguns esclarecimentos importantes antes de começar:

  • O ciclo menstrual sofre mudanças ao longo da vida e em certas situações: primeiros anos após o início da menstruação, primeiras semanas/meses após parar de usar contraceptivo hormonal, síndrome de ovário policístico, pós-parto, amamentação, pré-menopausa e menopausa. É possível usar o método sintotermal nesses casos, sim, mas veremos isso outro dia!
  • Essa descrição abaixo é do ciclo menstrual natural, quando a mulher não usa nenhum tipo de contraceptivo hormonal (como pílula, adesivo, injeção, anel, DIU — dispositivo intrauterino — hormonal).

“Senta que lá vem história!”

 

O ciclo menstrual

Menstruação

 


Menstruação é o sangramento que ocorre cerca de 14 dias após a ovulação do ciclo anterior. Esse sangramento é provocado pelo do desprendimento da camada mais interna do útero, o endométrio, que se desenvolveu no ciclo anterior.


Repito: menstruação está relacionada à ovulação do ciclo anterior! Logo mais veremos por que isso é importante.

O primeiro dia de menstruação com fluxo de sangue vermelho é considerado o primeiro dia do ciclo menstrual.

Num ciclo saudável, a menstruação dura entre três e sete dias de fluxo com sangue vermelho. A intensidade do sangramento varia de leve a forte (5 ml a 80 ml, somando o volume de sangue de todos os dias de menstruação em um ciclo. Isso equivale, no máximo, a 16 absorventes), em geral sendo forte nos primeiros dias e reduzindo aos poucos. Essa fase do ciclo pode ser acompanhada de cólicas e outros sintomas, mas de intensidade leve. A energia e o humor podem estar um pouco mais em baixa.

Você acabou de rir descaradamente dessa descrição? Sua menstruação é um inferno, em que você cospe fogo de tanto ódio ou se derrete chorando, além de sangrar e se contorcer de dor até a morte? Sim, exagerei aqui, mas pra muitas mulheres, essa é uma descrição bem mais parecida com sua menstruação. Se esse é o seu caso, fique de olho aqui no blog, porque vou voltar a falar sobre isso.

O ciclo menstrual envolve a colaboração e comunicação entre diferentes partes do corpo. Uma delas é a hipófise ou pituitária, uma pequena mas poderosa glândula que fica na na base do cérebro. No início do ciclo menstrual, a hipófise manda uma mensagem pros ovários. O mensageiro é o hormônio folículo estimulante (do inglês, follicle stimulating hormone, FSH) e a mensagem é “ovários, bora começar a trabalhar, fazer esses folículos crescerem aí dentro!”.

Logo após a menstruação

Após o fluxo de sangue vermelho, pode ter um ou dois dias ainda com uma pequena quantidade de sangue vermelho-escuro ou marrom (“borra de café”).

Em geral, os níveis de humor e energia que estavam um pouco baixos na menstruação vão se recuperando agora.

Lá nos ovários, vários folículos começam a se preparar, crescendo e se desenvolvendo. Nessa fase, os ovários dão um toque pro útero começar a trabalhar também. O mensageiro dos ovários é o hormônio estrógeno, que é produzido pelos folículos à medida em que eles vão crescendo, e a mensagem é “útero, põe água no feijão e arruma a cama do quarto de hóspedes”. Ou seja, o útero tem que começar a produzir fluido cervical e preparar o endométrio.

 


Fluido cervical, como já vimos, é um fluido natural e saudável que é produzido pelo colo do útero. É totalmente diferente de corrimento não-saudável, que costuma estar associado com irritações e doenças. O fluido cervical permite que os espermatozoides sobrevivam por mais tempo dentro do sistema sexual e reprodutor da mulher!


 

E aqui podem acontecer duas coisas. Em ciclos longos, pode demorar mais alguns dias pro útero começar a trabalhar. Nesse meio tempo, não tem produção de fluido cervical, e com isso os espermatozoides tem uma expectativa de vida muito menor. Ou, em ciclos mais curtos, pode não ter dias secos, sem produção de fluido cervical, e da menstruação já passar direto pra próxima etapa.

Antes da ovulação

Essa costuma ser uma fase legal, com energia e humor em alta.

Nos ovários, os folículos continuam crescendo e produzindo estrógeno. Um deles cresce mais e ganha destaque.

No útero, começa a produção de fluido cervical. Em geral, o fluido começa mais seco, com um aspecto firme e grudento, e cor mais opaca, bege. Depois, ele vai ficando mais úmido, com um aspecto cremoso, e cor menos opaca, mais esbranquiçada. Depois, ele fica mais úmido ainda (não é a toa que a mensagem dos ovários pro útero é “põe mais água no feijão”!), com um aspecto de clara de ovo, transparente ou muito levemente esbranquiçado, bem escorregadio e lubrificante. Às vezes, ele fica tão úmido que realmente parece água, mas mantém a lubrificação. Basicamente, quanto mais úmido o fluido, mais perto da ovulação a mulher está.  Dá pra ver alguns exemplos das diferentes texturas do fluido cervical nesta foto (do livro Taking Charge of Your Fertility).

Esse fluido é produzido pelo colo do útero e escorre pela vagina até chegar à vulva. Assim como dá pra sentir o nariz escorrendo quando se tem um resfriado, e dá pra sentir o sangue escorrendo pela vagina durante a menstruação, também dá pra sentir o fluido cervical escorrendo pela vagina durante essa fase do ciclo menstrual.

Além disso, a mulher pode sentir o fluido cervical ao limpar a vulva com papel higiênico. Tem dias que o papel passa raspando (essa é a fase anterior, sem fluido); tem dias que o papel passa “macio”, nem muito difícil, nem muito fácil; e tem dias que o papel passa deslizando, escorregando. Além de sentir, dá pra ver o fluido cervical no papel ou na calcinha.

 


Graças ao fluido cervical, quaisquer espermatozoides que entrem no sistema sexual e reprodutor feminino agora ficam lá curtindo a vida por DIAS!


 

Além de produzir fluido cervical, nessa fase o útero também fica ocupado preparando o endométrio, o seu revestimento interno, que será a possível cama do quarto de hóspedes, caso um hóspede (embrião!) apareça! O endométrio vai ficando mais grosso.

A abertura do colo do útero, chamada os, que é por onde entram os espermatozoides e por onde sai o sangue, o fluido cervical, e eventualmente um bebê, vai ficando mais aberta. O colo vai ficando mais alto e mais macio ao toque, tudo sob efeito do estrógeno.

Além disso, a mulher pode perceber outras mudanças, como inchaço das mamas e dos lábios da vulva.

Logo antes da ovulação

Em geral, nessa fase, a energia e o humor estão ótimos!

O fluido cervical está no ápice de umidade. O colo do útero está alto, macio e aberto. Os espermatozoides fazem a festa com isso, e mesmo que já tenham chegado há alguns dias, continuam lá, firmes e fortes!

O nível de estrógeno está máximo. Com isso, lá no cérebro, a hipófise percebe que está tudo indo bem nesse ciclo menstrual e manda outra mensagem pros ovários. O mensageiro é o hormônio luteinizante (luteinizing hormone, LH) e a mensagem é “libera esse óvulo aí”!

Ovulação

É isso o que o folículo faz, libera o óvulo. O óvulo sai do ovário e é captado pela tuba uterina mais próxima.

Em geral, um óvulo é liberado por um folículo em um dos ovários. Eventualmente, os dois ovários podem liberar óvulos, em um curto intervalo de tempo de um pro outro, até 24 h.

 


Você leu ou ouviu dizer que a ovulação ocorre no dia 14 do ciclo? Não é bem assim!

A ovulação pode ocorrer no dia 14 do ciclo… Mas também pode ocorrer no dia 8 ou dia 10 ou dia 16 ou dia 21… Ovulação não tem data marcada! Não importa quão regular seja o ciclo, não dá pra prever a data da ovulação apenas contando dias.

Mas, observando os sinais de fertilidade do corpo dia a dia, aí sim dá pra saber se a ovulação está próxima ou não, e se ela já passou.


 

Nessa hora, quando o óvulo é liberado… Se tiver espermatozoides dentro do sistema sexual e reprodutor da mulher, não importa se eles acabaram de chegar ou estão ali há dias esperando pelo óvulo, um deles pode alcançar o óvulo na tuba uterina e a fecundação pode acontecer!

Perto da ovulação, pode ocorrer um leve desconforto ou dor abdominal (localizada, como uma pontada; ou generalizada, como uma cólica).

Além disso, pode acontecer outra coisa: um pequeno sangramento com a ovulação, de um ou alguns dias. E aqui tem um detalhe que pode parecer besta, mas é muito sério. Esse sangramento às vezes é confundido com menstruação, o que é totalmente errado! Lembra do que falei lá em cima sobre menstruação?

 


Menstruação é uma coisa, sangramento de ovulação é outra coisa!

Menstruação tem a ver com a ovulação que aconteceu no ciclo passado: aquele óvulo que foi liberado cerca de 14 dias antes já era, não existe mais!

Sangramento de ovulação tem a ver com a ovulação que está acontecendo no ciclo atual: este óvulo está sendo liberado agora e está vivinho da silva!


 

Viu que diferença enorme? Viu a confusão que isso pode gerar?

Logo após a ovulação

No ovário, o folículo, agora vazio, passa a ser chamado corpo lúteo. Ele continua produzindo estrógeno, mas em menor quantidade.

Além disso, agora, com o óvulo liberado e a possibilidade de uma fecundação, é preciso tomar algumas providências. O corpo lúteo manda uma mensagem pros próprios ovários e pro útero. O mensageiro é o hormônio progesterona (que significa “pró-gravidez”). A mensagem é “pára tudo”  e “bora ajeitar a casa”.

Ou seja, como um óvulo já foi liberado, os outros folículos não precisam continuar crescendo nos ovários. A progesterona tem o efeito de impedir uma futura ovulação extra no mesmo ciclo menstrual.

Além disso, no útero, a progesterona estimula o endométrio de forma diferente do estrógeno. O estrógeno fez o endométrio crescer, a progesterona agora faz com que o endométrio se torne glandular e rico em vasos sanguíneos, condições ideais para que o embrião se fixe no útero.

 


Nessa fase, o fluido cervical vai ficando cada vez mais seco, ou simplesmente pára de ser produzido de uma vez. O colo do útero vai se fechando e ficando mais firme e baixo.


 

Apesar do significado do nome, a progesterona (assim como os outros hormônios!) é importante não só para a gravidez, mas também pro ciclo menstrual e pra saúde em geral, e tem diversos efeitos sobre todo o corpo! Um desses efeitos é aumentar o metabolismo, e isso se reflete no aumento da temperatura basal.

 


A temperatura basal é a temperatura do corpo em estado de repouso, medida com um termômetro específico logo após acordar, antes mesmo de se levantar. Sob o efeito da progesterona, a temperatura basal aumenta após a ovulação.


 

Nas primeiras horas e dias após a ovulação, o óvulo continua vivo. Se acontecer a fecundação, o embrião formado vai viajar pela tuba uterina em direção ao útero durante os próximos dias.

Após a ovulação

Nessa fase, se não houve fecundação, o óvulo já morreu e se desintegrou.

Se houve fecundação, o embrião finalmente chega ao útero e fixa residência lá em torno de 7 dias após a ovulação, e começa a mandar uma mensagem pro corpo lúteo. O mensageiro é o hormônio com o charmoso nome de gonadotropina coriônica (do inglês, human chorionic gonadotropin, hCG), e a mensagem é “não manda o endométrio embora não, preciso dele”. Com isso, o corpo lúteo continua produzindo progesterona, que continua estimulando o endométrio, e assim o embrião continua lá dentro do útero.

Testes de gravidez medem o nível de hCG, mas se o teste for feito muito cedo, pode nem ter dado tempo de o embrião chegar lá e mandar seu sinal de vida, e aí o resultado do teste vai ser (falso) negativo. Mas se o teste for feito na data certa, vai dar positivo!

Nessa fase, o fluido cervical está seco, ou simplesmente não tem mais fluido. O colo do útero está fechado, baixo e firme. Nessas condições, os espermatozoides sobrevivem por muito menos tempo. Mas não adianta, afinal de contas, não tem mais óvulo a essa altura do campeonato.

Pelo efeito da progesterona, a temperatura basal continua elevada.

A energia e o humor se mantêm altos, no começo, mas depois vão caindo aos poucos.

Alguns sintomas podem acontecer, em intensidade leve, como constipação, inchaço, e sensibilidade nas mamas, principalmente nos mamilos. Mas sintomas muito intensos, ou TPM, tensão pré-menstrual, merecem um post à parte (aguarde!).

Logo antes da menstruação

Se não houve fecundação, o corpo lúteo se desintegra cerca de 14 dias após a ovulação. Com isso, os níveis de estrógeno e progesterona caem.

E com isso, a temperatura basal e o endométrio também caem. Pode ter um ou dois dias de sangramento leve, vermelho-escuro ou marrom. E em seguida, vem a menstruação, e um novo ciclo se inicia.

 

Não é a menstruação que atrasa… É a ovulação!

Coitada da menstruação, já tão incompreendida, levando mais uma culpa que não é dela!

 

A menstruação chega exatamente quando pretende chegar!

😉 Parece brincadeira, mas é verdade!

 

Não tem essa de menstruação atrasar. A menstruação é superorganizada e pontual, sempre chega na hora combinada. Quem às vezes se atrasa é a ovulação.

Mas como?

É assim: o ciclo menstrual pode ser dividido em duas grandes fases, a fase pré-ovulatória (fase folicular) e a fase pós-ovulatória (fase lútea). A fase pré-ovulatória vai desde a menstruação até a ovulação. A fase pós-ovulatória vai desde a ovulação até a véspera da próxima menstruação (e portanto, do próximo ciclo).

 


A fase pré-ovulatória tem duração MUITO variável! O número de dias varia de mulher pra mulher, e também em uma mesma mulher de ciclo pra ciclo.

A fase pós-ovulatória tem duração POUCO variável, em torno de 14 dias! O número de dias varia um pouco de mulher pra mulher, podendo ser de 10 a 16 dias, pra ciclos menstruais considerados saudáveis. Mas, pra uma mesma mulher, o número de dias vai variar menos ainda, questão de um ou dois dias.


 

Por exemplo, pra Maria, a fase pós-ovulatória pode ser 12 dias, mais ou menos um dia. Pra Ana, pode ser 15 dias, mais ou menos um dia. E pra Clara, pode ser 13 dias, mais ou menos um dia.

Assim, quando a ovulação atrasa… Isso empurra a menstruação mais pra frente, mas ela continua vindo sempre mais ou menos 14 dias depois da ovulação!

 


O bom disso é que, se você souber quando ovulou, automaticamente sabe quando vai menstruar!


 

E, pra quem quer engravidar, isso também é importante, porque o momento ideal de fazer um teste de gravidez (e evitar toda a expectativa e frustração de um falso negativo) é justamente no fim da fase pós-ovulatória.

 

Regular ou irregular, eis a questão

Muita gente acha que, se a mulher não é um robô que SEMPRE tem ciclos menstruais de 28 dias, então ela tem ciclos irregulares. Não é bem assim!

Precisamos diferenciar duração e regularidade.

 


A duração do ciclo menstrual é o número total de dias do ciclo, contando o primeiro dia de menstruação como o primeiro dia do ciclo, e a véspera da menstruação seguinte como o último da do ciclo. Ciclos menstruais considerados saudáveis são aqueles cuja duração seja de no mínimo 24 a no máximo 35 dias!

Já a regularidade do ciclo tem a ver com o quanto a duração muda de um ciclo pro outro, pra uma mesma mulher. Ciclos menstruais considerados regulares são aqueles em que a duração não muda mais do que 20 dias de um ciclo pro outro.


 

Seu ciclo dura menos ou mais do que isso, e/ou é irregular? Você não está em nenhuma das situações especiais que mencionei lá no começo (primeiros anos após o início da menstruação, primeiras semanas/meses após parar de usar contraceptivo hormonal, pós-parto, amamentação, pré-menopausa e menopausa)? Calma. Ainda vamos falar sobre isso aqui no blog. Mas só pra adiantar: mesmo assim, dá pra usar o método sintotermal!

 

Resumo da ópera e referências

Essa figura está ótima, mas considerando o que acabamos de ver logo acima, vamos ignorar essa contagem de dias, ok? 😉

O ciclo menstrual

Resumo do ciclo menstrual. Apesar de ter uma contagem de dias nessa figura, é importante lembrar que a ovulação NÃO tem data marcada, e portanto, a fase pré-ovulatória tem duração muito variável. Já a fase pós-ovulatória tem duração pouco variável, de cerca de 14 dias, mesmo pra ciclos irregulares.

 

E aqui, um resumo engraçadinho.

Para quem quiser ler mais sobre o assunto, ou saber quais referências foram usadas pra embasar este texto, veja a lista de referências da seção Percepção da Fertilidade na Biblioteca.

 

Tá, mas e o período fértil?

Como a gente faz pra saber quando tudo isso acontece no corpo? Quando a mulher está fértil e quando não está?

Quem sabe você já esteja juntando os pontos e começando a formar uma resposta na sua cabeça.

De qualquer forma, no próximo post, vamos ver como o método sintotermal permite responder essas perguntas! 😉

 

Veja aqui a continuação desta série:

Percepção da fertilidade: Parte 4 – O método sintotermal